Disciplina: Silêncio

Por Vanessa Belmonte

Neste episódio da Série Disciplinas Espirituais vamos refletir sobre a disciplina do Silêncio. Busque formas de incluí-la em sua rotina, especialmente se você está sempre cercado de muito ruído, sua mente não pára (mesmo quando você se deita para dormir) e parece impossível se calar e aquietar em algum momento do seu dia. Que esse exercício faça você aprender a se calar diante do Deus que é a Palavra e ficar em silêncio, em dependência, disposto a ouvi-lo, conhecê-lo e obedecê-lo.

Diante do Senhor, fique em silêncio toda a terra

No silêncio, desligamos nossa alma dos sons, sejam eles ruídos, músicas ou palavras. O silêncio total é raro e o que chamamos de “quieto” significa geralmente um pouco menos de barulho. Muitas pessoas jamais experimentaram o silêncio, pois nossas casas e locais de trabalho estão cheios de barulhos, conversas, ruídos de vários dispositivos, trânsito, sirenes e alarmes.

Segundo Dallas Willard, o barulho nos conforta de uma forma curiosa. Achamos o silêncio total ruim; ele deixa a impressão de que nada está acontecendo, percebemos a ansiedade surgir instantaneamente, e buscamos algo para nos distrair. O silêncio é assustador, porque ele nos desnuda como nenhuma outra coisa, confrontando-nos com a realidade crua de nossa vida, fazendo-nos ouvir pensamentos e sentimentos que buscamos camuflar. Mas além de nos ajudar a fugir das distrações e encarar nosso vazio, o silêncio é necessário para nos ensinar a ouvir, a Deus e aos outros. (2)

Para Henri Nouwen ao vivermos uma vida cheia de preocupações, nos rodeamos de tanto distúrbio exterior que fica difícil ouvir de verdade a voz de nosso Deus. Muitas vezes nos tornamos surdos. Por isso, nossa vida se tornou absurda. Na palavra absurdo encontramos a palavra em latim ‘surdus’. A vida espiritual exige disciplina porque precisamos aprender a ouvir a Deus, que está sempre falando e a quem raramente damos ouvido. (3)

Quando aprendemos a ouvir, nos tornamos obedientes. A palavra obediente vem do latim ‘audire’ que significa ouvir. A disciplina espiritual é necessária para a lenta jornada da vida absurda para a vida obediente, da vida cheia de ruídos de preocupações para uma vida na qual haja espaço interior disponível para ouvir a Deus e seguir sua orientação. A vida de Jesus foi uma vida de obediência. Ele estava sempre ouvindo o Pai, sempre atento à sua voz, sempre alerta à sua direção. O centro de toda oração é de fato ouvir e, para isso, precisamos exercitar a disciplina do silêncio. (3)

Silêncio e solitude em geral andam de mãos dadas. Assim como o silêncio é vital para a verdadeira solitude, assim também a solitude (que é a ausência de outras pessoas) é necessária para que a disciplina do silêncio seja completa. Poucas pessoas podem ficar em silêncio na companhia de outras.

Estamos sempre falando e muitos têm real dificuldade de ouvir o que os outros estão nos dizendo. Assim, precisamos também aprender o silêncio de não falar. Em sua epístola, Tiago diz que aqueles que parecem religiosos mas são incapazes de refrear a própria língua “enganam a si mesmos e sua religião não tem valor algum” (Tg 1:26). Ele afirma que aqueles que não tropeçam no que dizem são perfeitos, sendo também “capazes de dominar todo o seu corpo” (Tg 3.2). A prática de não falar pode, no mínimo, nos dar controle suficiente sobre o que dizemos, a fim de que a nossa língua não aja “automaticamente”.

Por isso, o silêncio nos ajuda a ouvir, observar e prestar atenção nas pessoas. É raro sermos realmente ouvidos e a necessidade de ser ouvido é profunda. Tiago 1:19 diz: “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se”. Poucas pessoas vivem uma quietude interior confiante; mas ela é desenvolvida quando praticamos o “não falar”.

Richard Foster diz que o silêncio nos liberta da necessidade de controlar os outros. Estamos acostumados a nos apoiar em palavras para manipular as pessoas. Precisamos desesperadamente que os outros concordem conosco e façam as coisas de acordo com a nossa vontade. Nós avaliamos, julgamos e condenamos; sempre dizendo o que pensamos. O silêncio é uma das mais profundas disciplinas espirituais simplesmente porque põe um fim em tudo isso. (4)

Da mesma forma, ficar em silêncio também nos liberta da manipulação das palavras dos outros sobre nós, da necessidade de sermos notados e elogiados. Nosso ego prefere uma ofensa ao invés do esquecimento e do silêncio.

Porém o silêncio, como disciplina, não é o esvaziamento e a anulação de pensamento que ocorre em outras religiões. O silêncio é praticado na companhia de Deus. É o exercício de se calar e aquietar diante dAquele que te vê, te conhece completamente e te ama profundamente. É o esforço de se concentrar na voz dele, que te chama pelo nome e se revela através das Escrituras. É um silêncio atencioso, em expectativa diante de um Outro cuja presença te envolve.

Portanto, o silêncio é uma disciplina de abstenção que nos ajuda a engajar com mais foco nas outras disciplinas como a oração, o estudo e a meditação na Palavra de Deus, pois aquieta nosso coração. Por isso, pode ser praticado antes de realizarmos cada uma delas.

O silêncio é uma disciplina que exige um sacrifício, em certo sentido, porque envolve a entrega do controle, a atitude de humildade e submissão na qual não recorro às palavras para trazer segurança e domínio. Ao nos calarmos diante de Deus reconhecemos que Ele é o Senhor, o único Deus, que criou todas as coisas e sustenta todas as coisas, agora, com o poder da sua Palavra (Logos). Ele tem (é) a Palavra e diante dele ficamos em silêncio, em dependência, dispostos a ouvi-lo e obedecê-lo.

Inclua o silêncio em sua rotina e faça esse exercício de aquietar-se diante de Deus.

Habacuque 2:20 diz “O Senhor está em seu santo templo; diante dele fique em silêncio toda a terra”.

Oremos

Senhor, nos aquietamos diante de Ti e pedimos teu socorro para fazer calar os muitos ruídos dentro de nós e a nossa volta. Nos ensina a disciplina do silêncio para que possamos ouvir tua voz e te obedecer. Abre nossos ouvidos surdos e conduze-nos para um relacionamento real contigo e com as pessoas a nossa volta. Em nome de Jesus, amém.

Referências citadas no texto:

(1) Dallas Willard. A Grande Omissão. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. Essa pergunta está nas páginas 99–101. (os itálicos estão no texto original)

(2) Dallas Willard. O Espírito das Disciplinas. Editora Habacuc, 2003.

(3) Henri Nouwen. Renovando todas as coisas. Retirado do livro: Clássicos Devocionais (org. Richard Foster). São Paulo: Editora Vida, 2009.

(4) Richard Foster. A Liberdade da Simplicidade. São Paulo: Editora Vida, 2008.

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