A cultura do êxito pessoal e suas implicações sobre a família

Nesta tarde chuvosa de pouca luz, quase outonal, aqui em São Paulo, duas frases me estão fazendo pensar bastante.
A primeira, eu a ouvi em Londres, no início de 1991. Eu tinha 29 anos, Solange 25, estávamos no início de nossa vida familiar. Era uma tarde parecida com a de hoje e estávamos, com um pequeno grupo de alunos, na casa do “uncle” John Stott. Era uma daquelas noites especiais nas quais ele convidava alguns alunos para jantar com ele. Entre os muitos temas da conversa, chegamos a questão do esforço que implicava, para ele, escrever livros. Não me lembro muito da pergunta que fiz, mas nunca me esqueci de sua resposta. Ele disse; “ Ziel, você nunca vai escrever livros da mesma forma que eu escrevi!” Ao ver meu semblante surpreso com a resposta, ele continuou; “ a questão não está relacionada a sua capacidade, mas sim a sua real possibilidade. Você, além dos desafios e da natureza do seu ministério, foi abençoado com a paternidade, este deve ser o teu foco principal de inversão de tempo e energia. No meu caso, eu me dedico aos livros”. Stott não se casou e não teve filhos. Seus filhos, como dizia, eram seus alunos.

A segunda frase, eu a li recentemente. Ela me foi enviada por um amigo que me conhece há 40 anos e tem estado presente em momentos muito importantes da minha vida, sempre com palavras de sabedoria e orientação. Ele, juntamente com sua esposa Aurea, tem sido uma referência para mim, sobretudo no cuidado da família. Estou me referindo ao amigo Segisfredo Wanderley. Nesta semana, conversando sobre temas relacionados a família, ele citou o famoso cineasta Bergman em sua obra “Sonata de Outono”, quando um dos atores faz a seguinte declaração; “o triunfo dos pais pode ser a tragédia dos filhos!”
Estas duas afirmações tem ocupado minha mente e coração nestes dias. Me pergunto, existe algum sucesso externo que supere o êxito no lar? Será que o reconhecimento público pode compensar a tristeza privada? Que ilusões e distrações as “luzes da cidade” tem usado para desviar nosso olhar, nosso rumo e dedicação do coração? Por que temos colocado em risco o que mais amamos?
Sim, temos muito que pensar! Não podemos seguir cegos pelas falsas luzes que nos seduzem, quando temos algo tão frágil para cuidar. Frágil, mas ainda capaz de aquecer, ainda capaz de iluminar, ainda capaz de nos permitir, juntos, discernir , cuidar e seguir a jornada.

Ziel O. J. Machado
Pastor e teólogo

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