C. S. Lewis certa vez disse: “Todos dizem que o perdão é uma ideia maravilhosa até que elas possuam algo para perdoar”. É inegável que a ideia de oferecer compaixão e misericórdia para com o ofensor é algo belo e virtuoso. Parece até que o homem carrega naturalmente esse valor, essa apreciação pelo perdão, pela segunda chance. Contudo, quando nós precisamos perdoar alguém que nos ofendeu, a dificuldade prática dessa ideia é imensa.
São duas as reações mais comuns à uma ofensa. De um lado, vemos pessoas expressando um perdão incondicional, sem sequer haver uma confissão ou reconhecimento de culpa pela outra parte. Vemos e nos emocionamos com os pais de alguém que foi assassinado e que, durante o julgamento, afirma perdoar o assassino de seu filho, mesmo que este não tenha expressado qualquer arrependimento.
De outro lado, vemos pessoas que afirmam não ter que perdoar o ofensor por este não as ter procurado a fim de pedir-lhes perdão. A justificativa muitas vezes usada aqui é que o nosso modelo de perdão é o próprio Deus e que ele apenas perdoa aqueles que se voltam a ele arrependidos, pedindo perdão por seus pecados.
Mas afinal, qual das duas atitudes está correta? Creio que a Bíblia afirma que as duas estão corretas, mas em níveis diferentes.
Um coração perdoador
O professor e conselheiro bíblico Robert Jones delineia o contraste entre esses dois níveis de perdão em seu livro Em Busca da Paz. Conforme Jones explica, o primeiro nível do perdão se refere a uma atitude ou disposição interna, de coração. No entanto, essa disposição incondicional é chamada de perdão pelo próprio Jesus, que ensinou:
“E, quando estiverdes orando, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as vossas ofensas.” (Marcos 11:25)
Note que Jesus comanda que o perdão ocorra imediatamente, ali mesmo, independentemente de o ofensor procurar o ofendido que está orando. Além desse texto, a oração de Jesus pedindo ao Pai que perdoasse aqueles que o crucificavam demonstra o mesmo tipo de disposição incondicional (Lucas 23:34a).
O foco desse perdão interno é vertical, entre o ofendido e Deus. Quando perdoamos nesse nível, estamos nos desvencilhando da amargura em nosso coração e confiando qualquer julgamento a Deus. Nos eximimos, então, de buscar vingança, deixando que Deus exerça o seu papel de justo Juiz para com o ofensor, e nos preparamos para transacionar o perdão no nível 2 e reestabelecer o relacionamento se o ofensor se arrepender.
O perdão em ação
O segundo nível em que o perdão deve ser entendido é condicional; é um perdão transacionado, que depende das duas partes envolvidas. Nesse ponto, Jones destaca o texto de Lucas 17:3b–4:
“Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe.” (Lucas 17:3–4)
Aqui, Jesus ensina que o perdão é condicionado ao arrependimento do ofensor. De fato, esse é o modelo de perdão apresentado pelo próprio Deus, conforme o apóstolo Pedro destacou em seu sermão em Atos 2:
“Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo. Ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar. Com muitas outras palavras deu testemunho e exortava-os, dizendo: Salvai-vos desta geração perversa. Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas.” (Atos 2:36–41)
Se Deus concedesse perdão incondicionalmente, à parte do arrependimento, seríamos obrigados a aceitar uma doutrina universalista, em que todos são salvos. Mas a Escritura é clara em afirmar que o arrependimento em fé é essencial para a salvação.
O foco desse perdão transacionado, concedido é horizontal, relacional, entre o ofendido e o ofensor. Segundo Jones, nesse nível, quando o ofendido concede o perdão, ele se compromete com o ofensor a fazer basicamente três coisas:
- Não mais levantar a ofensa perdoada consigo mesmo, ou ficar remoendo a questão em sua própria mente. Isso não significa que você esquecerá do ocorrido completamente, mas que sempre que se lembrar, imediatamente buscará renovar os pensamentos e lembrar do perdão concedido. Como diz um ditado americano, você não pode impedir um pássaro de pousar em sua cabeça, mas pode impedir que ele faça um ninho nela.
- Não mais levantar a questão perdoada diante de outras pessoas. Isso seria fofoca.
- Não mais levantar a questão perdoada contra o ofensor em uma situação futura. Qualquer acusação futura sobre o assunto perdoado é incabível e constitui ofensa contra a promessa feita na ocasião em que o perdão foi concedido.
Conclusão
Para entender o perdão biblicamente, precisamos compreendê-lo em duas dimensões: a primeira é incondicional, interna, e tem a ver com a disposição do coração, confiando qualquer julgamento a Deus e se livrando da amargura; a segunda é condicional ao arrependimento do ofensor, e deve ser transacionada quando houver o pedido de perdão, com o compromisso de que a ofensa não mais será levantada consigo mesmo, diante de outras pessoas, ou contra o ofensor.
Entendendo o perdão nesses dois níveis, aprenderemos a melhor perdoar como Deus perdoa (Mateus 18:21–35), tanto em disposição, como em ação.