O Desafio da Unidade da Igreja

Quando falamos da unidade da Igreja ou do Corpo de Cristo, há pelo menos dois textos bíblicos fundamentais que precisam ser lembrados.

No capítulo 4 da Epístola de Paulo aos Efésios, os versículos 3 a 6 ensinam que a unidade é um presente de Deus, mas é um presente que deve ser conservado, pois pode ser destruído. O texto bíblico diz: “Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá. Há um só corpo, e um só Espírito, e uma só esperança, para a qual Deus chamou vocês. Há um só Senhor, uma só fé e um só batismo. E há somente um Deus e Pai de todos, que é o Senhor de todos, que age por meio de todos e está em todos”.

A unidade é um dom, um presente dado pelo Espírito Santo aos cristãos. A unidade não é um objetivo a ser alcançado, pois há um só Deus e Pai de todos, uma só fé e um só batismo. Mas a unidade pode ser conservada. Isso significa que ela pode ser perdida.

O texto pode ser considerado até chocante, quando pensamos no quadro do cristianismo dos nossos dias. A divisão das igrejas, a competição entre muitas denominações, o desentendimento entre líderes, tudo isso parece indicar que a unidade da Igreja não existe e que ela deve ser buscada. Mas quando olhamos com cuidado para o texto bíblico, vemos que ele nos lembra: é preciso fazer “tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união (unidade) que Cristo dá”.

Embora a unidade seja um dom, um presente que Deus dá, ela pode ser perdida. Por isso mesmo, precisa ser conservada. Há uma tensão presente no texto, uma verdade paradoxal, com a qual temos de lidar no nosso dia a dia.

O outro texto bíblico muito conhecido que fala sobre a unidade é a oração sacerdotal de Jesus. Ela está registrada no capítulo 17 do Evangelho de João. Nos versículos 21 a 23, o texto bíblico diz: “E peço que todos sejam um. E assim como tu, meu Pai, estás unido comigo, e eu estou unido contigo, que todos os que crerem também estejam unidos a nós para que o mundo creia que tu me enviaste. A natureza divina que tu me deste eu reparti com eles a fim de que possam ser um, assim como tu e eu somos um. Eu estou unido com eles, e tu estás unido comigo, para que eles sejam completamente unidos, a fim de que o mundo saiba que me enviaste e que amas os meus seguidores como também me amas”.

Jesus fala da unidade que há dentro da Trindade e diz que essa unidade deve estar também com os discípulos. Mas a unidade tem uma consequência prática, que é repetida duas vezes nesses versículos: “Para que o mundo creia…”, ou: “A fim de que o mundo saiba…”. A falta de unidade do povo de Deus dificulta que as pessoas cheguem à fé. Ela é um escândalo que provoca a descrença.

O que provoca a divisão dos cristãos, do Corpo de Cristo? Na prática, os motivos são os mais diversos. Podem ser mesquinhos, como orgulho, poder, desentendimentos diversos e pessoais. Mas, muitas vezes, as situações podem ser mais complexas, como divisões por entendimentos doutrinários diferentes, não concordância em torno do que seja a verdade.

Um teólogo corretamente chamou a atenção para três aspectos que quase sempre estão presentes na discussão da questão da unidade do Corpo de Cristo. Em geral, todos concordam que deveria haver unidade. Ninguém afirma que a falta de unidade seja o propósito de Deus. Aí a discussão começa a gravitar em torno do que é a verdade. Parece que estabelecer ou reconhecer o que seja a verdade sempre é difícil. E onde estaria a solução? Novamente, o texto bíblico pode ajudar.

Em Efésios 4.2 o apóstolo Paulo escreve: “Sejam sempre humildes, bem-educados e pacientes, suportando uns aos outros com amor”. O amor é o vínculo da paz. O amor torna possível a coexistência, mesmo quando há divergências. O amor orienta um coração humilde, bem-educado e paciente.

E o que tem isso a ver com unidade e verdade? Quando há tensão entre a verdade e a unidade, o amor entra em cena, com humildade. O amor é o vínculo da paz. O amor estimula a humildade. E aí fica mais fácil de buscar a verdade e a unidade.

É fato que não existe unidade com desprezo à verdade. Mas é fato também que a verdade não elimina a unidade. Por isso, precisamos do amor. Aliás, o amor é outro dom precioso que recebemos de Deus e aprendemos dele. Deus nos ama em Cristo. Deus sabe quem nós somos. Ele conhece nossas falhas e imperfeições. Ele sabe a verdade a nosso respeito. E nem por isso ele deixa de nos buscar e de nos integrar à sua família. O amor de Deus, que excede o nosso humano entendimento, é que faz possível a comunhão de Deus conosco.

Belas lições podemos tirar da Palavra de Deus para a vida e a unidade do Corpo de Cristo. Verdade e unidade conseguem conviver quando existe o amor.

Erní Walter Seibert é doutor em Ciências da Religião, mestre em Teologia e tem MBA em Marketing de Serviços. É autor de cinco livros e tem trabalhos sobre Teologia e Ciências da Religião publicadas em várias revistas especializadas, tanto no Brasil como no exterior. Atualmente, ocupa o cargo de diretor-executivo da Sociedade Bíblica do Brasil.

Este foi publicado originalmente no portal Ultimato.

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