Disciplina: Jejum

O que controla seu apetite e direciona sua vida.

Por Vanessa Belmont

Jejum é a nossa 13a disciplina da Série Disciplinas Espirituais. Muito conhecida e mal utilizada (desde a época do povo de Israel). O jejum tem a característica de alcançar o mais profundo do nosso ser: a nossa fome. Temos fome de muitas coisas e elas nos impelem para agirmos em direção à sua satisfação. O jejum não trata apenas de comida, mas dos nossos anseios mais profundos.

Ao mesmo tempo, se tornou um prática vazia a ponto do Senhor dizer em Isaías 58:4–5 — “De que adianta jejuar, se continuam a brigar e discutir? Com esse tipo de jejum, não ouvirei suas orações. Vocês se humilham ao cumprir os rituais: curvam a cabeça, como junco ao vento, vestem-se de pano de saco e cobrem-se de cinzas. É isso que chamam de jejum? Acreditam mesmo que agradará o Senhor?

O jejum, assim como as demais disciplinas espirituais, não pode ser realizado isolado, como um ritual vazio de sentido, e desvinculado da submissão ao Senhor. É a Ele que entregamos nosso apetite e é à sua Palavra que recorremos para nos alimentar. Isso trará resultados de transformação interna e ação externa.

A Disciplina Espiritual do Jejum

O jejum nos mostra quanto nosso corpo é poderoso e astuto na busca de seu próprio caminho contra as nossas mais fortes determinações. — Dallas Willard

John Wesley disse uma vez que alguns exaltavam o jejum religioso acima de toda a Escritura e da razão, outros o negligenciavam totalmente. O jejum aparece na Bíblia como uma disciplina espiritual importante. Foi ensinado e praticado por Jesus e seus seguidores. O ensino de Jesus sobre o jejum está imerso no ensino sobre doações e oração. É como se existisse uma suposição quase inconsciente de que fazer doações, orar e jejuar fazem parte da devoção cristã. Não é um mandamento, mas Jesus parece pressupor que seus seguidores jejuariam, por isso, os está instruindo a fazê-lo corretamente. Martinho Lutero afirma que Cristo não tinha a intenção de rejeitar nem de desprezar o jejum, sua intenção era restaurar o jejum correto. Paulo também descreve em suas cartas que muito de seu trabalho foi realizado com jejum e oração. (1)

Porém, com o tempo, o jejum adquiriu uma má reputação em virtude das práticas acéticas exageradas da idade média. Sua prática foi vinculada à mortificação pessoal e a sofrimentos físicos. Ao longo da história da igreja, algumas disciplinas espirituais como o jejum, o serviço e a doação foram confundidos com obras meritórias e o resultado foi uma falha na compreensão dessas disciplinas, seguida por seu abandono devido ao uso distorcido. Por outro lado, vivemos hoje, em uma cultura que valoriza muito a satisfação de todos os nossos apetites, ignorando completamente a disciplina do jejum.

No jejum, nós nos abstemos de alimentos e, em alguns casos, também de líquidos. Esta disciplina nos ensina muito (e rápido) sobre nós mesmos. Certamente ela nos humilha, pois prova quanto nossa paz depende de nossos apetites. Segundo Dallas Willard, o jejum também pode revelar como usamos o prazer de comer para diminuir o desconforto causado pela falta de fé e pelas atitudes insensatas, como a falta de dignidade, trabalho sem sentido, existência sem propósito e a falta de descanso ou de exercício. O jejum nos mostra quanto nosso corpo é poderoso e astuto na busca de seu próprio caminho contra as nossas mais fortes determinações. (2)

Há muitas formas e níveis de jejum. Os pais do deserto, como Santo Antônio, muitas vezes passavam longos períodos comendo apenas pão e água — embora o “pão” feito nessa época fosse muito mais substancial do que o pão que comemos hoje. Daniel e seus amigos não quiseram comer das iguarias do rei nem beber vinho. Eles comeram apenas vegetais e beberam água. Na época de sua preparação para enfrentar a tentação e iniciar seu ministério, Jesus jejuou por mais de um mês.

Assim, o jejum pode estar ligado às atitudes de lamento, contrição e arrependimento diante de Deus. Ou em situações específicas de muita angústia para ficar mais sensível à vontade do Senhor e tomar uma decisão importante. Ou, ainda, como uma atitude de fortalecimento espiritual para enfrentar um confronto mais direto.

É importante entender que o jejum confirma nossa total dependência de Deus ao encontrarmos no Senhor uma fonte de sustento e de força além do alimento. Assim, aprendemos pela experiência que a Palavra de Deus para nós é uma substância vital. Aprendemos que a vida nos é dada não só pela comida que nos satisfaz, mas também pelas palavras que procedem da boca de Deus (Mateus 4:4). Aprendemos que também temos uma comida para comer que o mundo não conhece (João 4:32,34).

Portanto, jejuar ao Senhor é nos alimentarmos da Palavra de Deus e de sua vontade, submetendo nossos desejos e anseios, apetites e vontades a Ele. Na verdade, o jejum é uma das maneiras mais importantes de praticar a abnegação exigida de todos que seguem a Cristo. No jejum, aprendemos como sofrer alegremente enquanto nos alimentamos da Palavra de Deus. Esta é uma boa lição, pois, em nossa vida, iremos sofrer.

Se não submetermos nossos apetites em obediência ao Senhor, nos tornaremos como o povo que fora liberto do Egito, mas murmurou contra o Senhor no deserto pela falta das comidas que estavam acostumados. O apetite desregulado pelos nossos amores distorcidos e pelos hábitos pecaminosos, vão nos levar a duvidar de Deus e murmurar contra ele nos momentos em que não obtermos o que desejamos.

O jejum, assim, é uma disciplina de abstenção, na qual praticamos a espera, a abnegação e a entrega. Nos abstemos de algo bom e que podemos consumir naturalmente, como o alimento, como um exercício para submeter nossos desejos a Deus e, em troca de comida, separamos um tempo especial para nos dedicarmos à oração, meditação e estudo da Palavra de Deus. Assim, o jejum não é uma dieta alimentar e não deve ser praticado sozinho, mas auxiliado pela prática de outras disciplinas espirituais.

A nossa formação espiritual não se reduz apenas ao estudo racional (como se o intelecto sozinho fosse capaz de nos transformar) ou à oração espiritual (como se nosso espírito separado do restante do corpo fosse capaz de nos transformar). Segundo Dallas Willard, nossa formação espiritual inclui todo o nosso corpo. Assim, todas as disciplinas envolvem essencialmente condições e atividades corporais, especialmente o jejum. Elas nos mostram efetivamente como podemos “nos oferecer em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” e como nossa “adoração espiritual” é inseparável da oferta literal de nossos corpos a Deus. (2)

Por isso, é importante ficar claro que todas as disciplinas são feitas como exercícios para nos deixar mais dispostos a ouvir a Palavra de Deus e sensíveis à atuação do Espírito Santo em nossas vidas. As fazemos como resposta pelo que já recebemos de Cristo em sua obra e sacrifício por nós e não para obtermos algo de Deus.

Compreendido isso, comece com períodos curtos onde você pode se abster de uma refeição principal uma vez por semana e vá ampliando aos poucos, se assim desejar. O ideal é que neste período de jejum você não saia para trabalhar e dedique esse tempo para buscar ao Senhor. Considere necessidades específicas e limitações de saúde como anemia, diabetes, entre outras, que precisam de um cuidado específico em relação à alimentação regular.

Beba água ou outros líquidos durante o jejum. No início, você provavelmente irá sentir pontadas de fome ou desconforto antes de acabar o tempo, mas isso não é fome de verdade. Segundo Richard Foster, nosso estômago foi condicionado durante anos a emitir sinais de fome em momentos determinados. Em vários aspectos, o estômago é como uma criança mimada, e uma criança mimada não precisa ser atendida imediatamente, ela precisa de disciplina. Assim, a ideia é que sejamos senhores de nosso estômago, não escravos dele. Se a sua rotina permitir, dedique esse tempo normalmente gasto com as refeições para meditar e orar.

Como dito no início, o jejum não pode ser realizado isolado, como um ritual vazio de sentido, e desvinculado da obediência ao Senhor. Ele precisa ser praticado junto com o serviço e a submissão, influenciando diretamente nossa ação para com as demais pessoas, praticando a compaixão, a generosidade e a justiça em nossas relações (conforme Isaías 58). Também está relacionado com as demais disciplinas, especialmente a oração e a meditação na Palavra do Senhor.

Em Marcos 2:18–20 Jesus fala sobre o jejum, “Certa vez, quando os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando, algumas pessoas vieram a Jesus e perguntaram: “Por que seus discípulos não têm o hábito de jejuar como os discípulos de João e os discípulos dos fariseus?”. Jesus respondeu: “Por acaso os convidados de um casamento jejuam enquanto festejam com o noivo? Não podem jejuar enquanto o noivo está com eles. Um dia, porém, o noivo lhes será tirado, e então jejuarão.”

Oremos

Senhor Deus, nos ensine a praticar a disciplina do jejum com discernimento, entregando nossa vontade desordenada, nossos amores distorcidos, nossos apetites desregulados em sacrifício ao Senhor. Reconhecemos que precisamos aprender a confiar em Ti e a submeter ao Senhor tudo o que dirige nossos comportamentos e motiva nossa vontade. Ajuda-nos, Senhor, a aprender a paciência, a espera e a submissão através das disciplinas espirituais. A não murmurar, nem agir com incredulidade diante das dificuldades. Para que possamos nos submeter por completo ao Senhor. Oramos em nome de Jesus. Amem.

OBS.: Esta meditação focou no jejum em seu significado original, de abstenção de comida, mas também podemos nos abster de hábitos e comportamentos que nos têm causado dependência e alimentam outros vícios. Como por exemplo, jejum de mídias sociais, de palavras (julgamentos e fofocas), de sempre emitir uma opinião, hábitos de consumo, entre outros.

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